sábado, 24 de julho de 2010

Crônica: O velho medo do tempo

O tempo. Tão lembrado, discutido e mesmo assim, consegue assustar! É lembrado praticamente todos os dias. Aliás, não digo apenas sobre o tempo que deixa marcas – profundas e eternas – no corpo de alguém. Já é um assunto muito chato e batido, principalmente quando aqueles programas femininos falam de como suavizar os “sinais do tempo” por horas a fio. Não gosto. Tenho outras preferências.

Prefiro pensar no medo que as pessoas têm de pela falta de horas nos relógios não verem seus filhos crescendo. Aliás, os pais ficam tão surpresos com isso. Vou relembrar que seus rebentos, senhores pais, são pessoas comuns, seres humanos – olha!, que novidade -, e não uma espécie mais evoluída e acima da média, mais ou menos como os mutantes.

Há o medo também de não dar conta de todas as atividades do tedioso dia-dia. O trabalho exige cada vez mais e a pessoa nunca pode parar de freqüentar os bancos escolares. E mesmo com medo, o indivíduo sempre acredita que vai dar conta. Cada um se encara como um super herói. Faltam apenas os poderes e os necessitados, porque só assim vamos parecer com o Homem Aranha ou no caso das moças, a Mulher Maravilha.

A falta de tempo atinge mais coisas. O lazer muitas vezes é raro ou abaixo do que todos desejam. Apesar de que como bons (?) brasileiros, se pudermos, ficamos em férias o ano todo e ainda assim, conseguimos valorizar os feriados como mais importantes que o Natal.

Será que um dia não se terá tempo para a reprodução? Não sei. Na verdade, ninguém se interessa pela reprodução, e sim, por outras coisas mais prazerosas. De fato, só espero que você tenha tido tempo para ler esse texto, que tentou apenas mostrar como somos loucos e não discutir as novas formas de fazer sexo da atualidade.

Conto: Passado irremediável

Nuvens densas davam passagem a tímidos raios de sol. Ele abraçou até o síndico do prédio. E abraçou não porque gostasse do homem, mas simplesmente por causa de um roupante de alegria e principalmente, de alívio.

Um sentimento claro e exato. Enfim ele se sentia livre para tudo. Estava separado de sua ex-esposa. E ainda não sabia e tentava compreender qual motivo o tinha feito casar com ela e viver sob o mesmo teto por mais de vinte anos. Convivência quase obrigatória.

Ainda bem que não tinha herdeiros. Os filhos não mereciam ver o casamento sendo desmantelado lentamente e ao longo de tanto tempo. Seria dolorido demais. Provavelmente, insuportável.

“Ter filhos seria o pior caminho que eu poderia escolher. Seria um verdadeiro inferno”, concluiu Paulo, já dentro do carro, pronto para ir embora do prédio em que viveu boa parte da vida. Queria esquecer sua esposa, ou melhor, Ana, sua ex-esposa. Era difícil, inegavelmente.

“Vou viajar. Conhecer outros lugares, novas pessoas. Conhecer mulheres”, desejou o homem.

Os meses seguintes foram assim, de viagens e um pouco de trabalho. Paulo era de uma família rica. Seu pai possuía vários negócios em diversos ramos, principalmente no industrial. Ele – como filho – já controlava boa parte e dinheiro nunca havia faltado. As regras eram feitas por ele. Ou seja, era um “bom vivant” tupiniquim, que em alguns momentos ainda se comportava como um jovem com seus 20 anos.

Passou pela França, Itália, Holanda, conheceu o Uruguai, o Chile, até o Japão e a China, seu sonho desde as últimas Olimpíadas. Ana, no Brasil, estava muito bem. Continuou trabalhando, saía de vez em quando com as amigas e não tinha a preocupação de arrumar outra pessoa com tanta pressa como fazia o seu ex-marido.

“O Paulo precisa de uma outra mulher para ser feliz. Ele é aquele tipo que não consegue viver sozinho”, afirmou claramente Ana.

Paulo realmente tentou muito. Nenhum relacionamento ultrapassou o primeiro mês. Decidiu se dedicar ao trabalho e tentar esquecer de uma vez por todas o casamento desfeito. Ana ainda não havia sido esquecida por ele. No entanto, com o passar do tempo, confirmou o que já havia percebido: não devia ter se separado. Talvez, de alguma forma, tentar salvar o casamento era a melhor saída.

Percebeu, inclusive, que os dois não fizeram nada para melhorar a relação. Paulo chegou à conclusão que não valorizava a ex-esposa como devia.

“Preciso procurá-la. É a minha última chance para conseguir um pouco de alegria”, encerrou o assunto para si mesmo.

Demorou a ter coragem. Uma semana se passou e resolveu ir ao antigo apartamento em que ele morava com a esposa, onde ela, até onde se sabia, ainda continuava a viver. Foi ao local, mentiu para o porteiro, dizendo que ainda era casado com Ana e, finalmente, conseguiu ter a permissão para subir ao apartamento.

Chegou em frente à porta de número 51. Não teve coragem de bater de imediato. Esperou alguns instantes. Respirou fundo e bateu levemente na porta branca. Nada mudou. Tocou a campainha. Ninguém abriu.

De repente, o síndico do prédio, o mesmo homem que Paulo havia abraçado quando se separou meses antes, apareceu.

“O senhor não vai ser atendido por ninguém”, avisou.

“Por que?”, questionou Paulo.

“A sua ex-esposa não mora mais aqui”, disse o síndico em tom nada animador.

Quando pensou em perguntar algo, Paulo foi interrompido pelo homem.

“Na semana passada, ela foi assaltada e infelizmente, foi assassinada”, comunicou o funcionário com o timbre triste. “A mãe dela veio à cidade, enterrou a filha e foi embora. Preferiu não avisar a sua família, por causa dos últimos acontecimentos. O senhor chegou atrasado por poucos dias”, finalizou.

Naquele instante, Paulo viu todos os seus planos caírem por terra. Para sempre. Olhou o rosto do síndico, fez um gesto de agradecimento, desceu as escadas, saiu do prédio, pegou o seu carro e decidiu ir trabalhar. Iria apagar aquilo de sua mente.